quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Por escrito

Vou te dizer que eu gosto de analisar como a nossa língua portuguesa é amassada e entortada pra se encaixar nos pequenos espaços vagos no cérebro de cada "cultura". E de como alguns irônicos paralelos se traçam quando a gente passa a comparar.

Por exemplo: a gramática falada hoje nas empresas (uma salva de palmas pra caravana do telemarketing) tem como característica principal o gerundismo, que é aquele tal de dizer que "estará fazendo", "estará efetuando", tralalá. Nenhuma novidade e, corrija-me se equivocado eu estiver, nada de errado também (um tanto inadequado, só).

Mas eu gostaria de lançar luz sobre a escrita, que é bastante menosprezada pelo humor sem graça corporativo. Se há na língua falada o gerundismo, na escrita há o infinitivismo.

Repara: é tudo no infinitivo. Até o banner desse blog na minha outra casa é assim (se você não reparou o gracejo, sinto muito, você foi engolido pelo sistema). Mas não só isso: as frases são simplificadas ao máximo, até o esqueleto. Veja nos post-its grudados no seu escritório: é "Silvio, ligar Joana" pra cá, "Rosana, fazer relatório" pra lá. Alguns bravos defensores dirão que é falta de tempo, mó correria e etc. Mas eu digo o que é: é atrofia cerebral.

Pode olhar em todas as histórias que mostram índios que não tem muito domínio do português: eles sempre falam tipo "mim gostar amorzinho" e coisas assim. Igual a você e seu papelzinho amarelo ridículo. Mas sabe a diferença? Os índios tem seu próprio idioma, e tão no português de freelance. Mas nós só temos o português. A permanecer essa involução, em breve só nos restarão meia dúzia de frases copiadas de seriados em uma língua estrangeira.

O trabalho emburrece o homem, é verdade. E não há alternativa para evitar que em breve estejamos nos comunicando por grunhidos metálicos. Na verdade há, mas isso envolveria todo mundo tomar vergonha na cara e parar de escrever como retardado. Como proatividade empresarial é uma parada que só funciona quando é pra impressionar chefe, dá pra afirmar que estamos mesmo numa locomotiva sem freio rumo ao abismo das vogais sem sentido. Só vamos nos dar as mãos e torcer pra morrer de alguma outra coisa antes disso.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A gostosa do escritório

Antes de começar, devo já pedir desculpas pelo tom meio machista desse post. Não é essa a ideia do blog, mas, convenhamos, o lance do colega com sex appeal no talo é mais que obrigação por aqui. Como eu não tenho autoridade para falar sobre o outro lado da mesa, gostaria de pedir a sua colaboração para o post sobre "o gostoso do escritório". Mandem depoimentos e opiniões, não precisam assinar, e não precisa, claro, ser mulher pra escrever - aliás, adoraria ver o ponto de vista gay sobre o assunto. É só escrever pro thiagopadula@gmail.com, e não precisam se preocupar com a redação, disso cuido eu ;)


Dados os recentes acontecimentos, estão em alta profissões que se caracterizam pela ausência (ou baixíssima-íssima presença) de colaboradores do sexo feminino no local de trabalho, como mineiros, pedreiros e, ahn, piratas. Entre esse e o outro extremo - lugares que só tem mulheres - há os ambientes mistos, aqueles que tem homens e mulheres, todos juntos, todos felizes.

Eu já passeei pelo assunto em outro post, e a ideia é essa: evidente que atração sexual não fica da porta do escritório pra fora, porque não dá pra controlar esse tipo de coisa. E homem, essa raça triste da porra, é inflamavelmente suscetível a qualquer estímulo vindo de onde não balança um pênis. Tipo, chega a ser ridículo. Se você, minha amiga, acha que os homens no seu trabalho não ficam comentando sobre você e suas colegas quando estão longe dos ouvidos femininos, surprise!, você está errada.

E, já que Deus é um cara legal, existem as musas, as divas, as gostosas do escritório. Aquelas pra quem todo mundo traz café de manhã, aquelas que todo mundo chama pra almoçar, aquelas que todo mundo se oferece pra ajudar no trabalho. E aquelas - ai, essa humanidade - que vão sempre ter sua beleza como contra-argumento da sua competência técnica, como se pra ser boa no que faz a pessoa tenha que necessariamente abrir mão da aparência.

O lance é que o ambiente de trabalho é um tema central no relacionamento entre empresa e funcionários - estes anseiam por um bom ambiente, aqueles fingem que estão se importando. Todo mundo quer um lugar bacana e que torne menos dolorosa a sensação de ver a história da sua vida sendo contada por uma carteira de trabalho, e, correndo o risco de parecer um panacão escroto ao dizer isso, afirmo: mulher bonita no escritório melhora o ambiente de cem a quatro milhões por cento.

Sim, porque é legal olhar pra elas. Sim, porque é legal conversar com elas. Sim, porque é legal imaginar que, num dia de hora extra, estresse e coisa e tal, há um fio de chance de vocês dois se pegarem num fight no meio das baias - não dá pra ficar muito mais patético que isso, mas é assim que somos. E, sim, todas as outras mulheres do escritório ficam eclipsadas, mas essa é a vida. A produtividade cai? Cai. Mas outras coisas sobem, e assim vai-se mantendo o equilíbrio, ainda que ele não seja exatamente justo para todas as partes envolvidas.

Claro que esse assunto pode ficar só na borda da inocência masturbatória platônica, mas às vezes a coisa começa a afetar a ética e o profissionalismo. Exigir "boa aparência" em vaga de emprego já é, pra começar, uma safadeza. Contratar mulheres pela beleza ao invés do currículo para cargos que não peçam um pouco mais de asseio na aparência é outra. Mas às vezes os fins justificam os meios, e se de boas intenções o inferno está cheio, ótimo - é pra lá que a gente tá indo. Desculpa aí.


Tema do post sugerido pelo Marcelo ;)

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Café

Assim como outras modalidades de sofrimento contínuo (ex. Vida), o cotidiano no trabalho precisa de algumas janelas para a gente abrir e se jogar respirar. E, ao contrário do álcool, há uma bebida mágica e de efeito poderoso que pode ser ingerida durante o expediente: o café.

Confesso: não sou fã do líquido negro. Sendo um pouco menos eufemístico, não gosto mesmo. Sou uma espécie de careta corporativo. Porque é exatamente isso que o café representa: uma droga. Quando a máquina da empresa quebra eu consigo ver estampado e piscante nos rostos dos colegas os efeitos da abstinência. O mau humor, a falta de concentração, a falta de vontade de viver. O café é o melhor amigo do assalariado.

Mais que isso, ele também promove a comunhão entre os coleguinhas. E é, entre os quatro elementos socializantes fundamentais (café, happy hour, cigarro e almoço), o único que ocorre sob o teto da penitenciária. A menos que sua empresa tenha um refeitório, claro. Mas o círculo que se forma em volta da copa é outra das coisas pelas quais o café é tão importante: muitas vezes, é a única oportunidade que algumas pessoas tem de interagir.

E já que a comparação óbvia do café é com uma droga, natural imaginar que essas conversas tendam à psicodelia. Começa sempre com amenidades (feriado na praia, reforma em casa, campeonato brasileiro) e daqui  a pouco já estão citando todas as maneiras diferentes de matar uma chinchila. É nessa hora, o momento em que o freio da postura corporativa quebra, que a coisa começa a ficar interessante: conversas sobre intervenções cirúrgicas no pênis, relatos de atrizes pornô na balada desafiando a anatomia com objetos policiais, decupagem e interpretação de clássicos da música popular. Não tem limite, não tem regra, só o prazer subversivo bobo.

Sempre me lembro do menino dopado que saiu do dentista e pergunta "is this real life?". Não é, Dave, e não é, amigo viciado em café. Agora toca a trabalhar de novo, porque falta muito pra sexta-feira.


Tema do post sugerido pelo Fernando, vulgo Fininho ;)

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Balada do desempregado, parte II: procurar emprego

Quando se está desempregado, há três saídas práticas na sua vida: a) deixar estar, assumir o desemprego e viver de migalha; b) esperar um trabalho cair no seu colo; c) procurar um emprego.

Parece óbvio, mas tanta coisa é óbvia nesse mundo corporativo. Também há outras alternativas mais rebuscadas, como ficar rico por acaso ou montar seu próprio negócio (trataremos disso outro dia), mas hoje falaremos do item c: procurar um emprego.

Há vários caminhos, e vou apresentar alguns em escala crescente de deprimência: por dicas e indicações de conhecidos, pela internet em sites gratuitos, pela internet em sites pagos, pelos classificados do jornal, por anúncios nos murais da faculdade, por anúncios nos murais de agências de emprego, por anúncios pregados nos postes de luz, por anúncios pregados em homens-sanduíche. Esse último é curioso, porque é um raro caso em que a pessoa com emprego está em situação pior que a que procura - mas, dado o uniforme, fica anatomicamente incapacitada de caçar algo melhor em si própria. Sério, isso é poesia pura.

E aí tem os anúncios, sempre ótimos: 75% dos pré-requisitos pra vaga são coisas que raramente serão usadas na função em si (até porque normalmente são tantas exigências que para fazer tudo aquilo o empregado teria que assinar um contrato de 10 anos). Quando há no texto o salário que a empresa quer pagar, é sempre mais baixo que o racional (compare classificados de imóveis e de empregos para ver: se levássemos isso em consideração, ninguém jamais poderia alugar uma moradia), e também tem o malfadado "salário a combinar", essa armadilha pra contratar gente a preço baixo sem ter que ouvir depois um "me pagam tão mal...".

E vocês já estiveram (ou ao menos viram) numa fila em agência de emprego? Gente triste, cabisbaixa, com envelopinho na mão e tal? É deprimente, como uma fila de bois indo pro abate, com aquela mínima esperança de que no final aconteça um milagre e alguém saia dali sorrindo. Mas a fila de bois é pior, claro, porque morrer deve ser pior que ficar desempregado. Esse é outro grande mal da marginalidade corporativa: é desgraça pouca, logo é bobagem.

Procurar emprego tá pra ser uma das coisas mais ingratas que existem. Eu não conheço ninguém que goste disso - nem do "desafio", da "aventura", etc - e, se alguém vier se apresentar dizendo que gosta, ignorarei sob justificativa de óbvia perturbação mental do leitor. Eu sei que às vezes precisamos mentir pra nós mesmos pra nos sentirmos bem, mas, sinto muito, a obrigação desse blog é de ser franco com vocês.

Tá, não é bem uma obrigação, mas esmigalhar sonhos é meu emprego ideal.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Happy hour

Pesquisas comprovam: a partir das 16h30 da sexta-feira o índice de concentração dos trabalhadores cai 1400%. Claro que essa não é uma pesquisa verdadeira, assim como ninguém precisa de uma pra saber que isso é verdade. E não é só pelo fim de semana que se anuncia (nossa pequena migalha semanal de sossego e libertação), é também pelo happy hour.

Como faz parte da cultura desse blog explicar todos os termos que se apresentam, mesmo que sejam amplamente conhecidos, vamos lá: happy hour (ou HH, porque tudo na vida corporativa precisa de uma sigla) é aquele espaço de tempo entre o fim do expediente e o coma alcoólico em que acontece uma animada reunião dos colegas, normalmente em volta de uma mesa de bar, com o intuito único e simples de exorcizar o estresse da semana, ou ao menos afogá-lo em cerveja.

Há alguns aspectos interessantes que diferenciam o happy hour corporativo daquele que você faz com seus amigos. O primeiro, claro, é que você não está com seus amigos. Por mais intimidade e proximidade que você tenha com aquelas pessoas, o vínculo que os une ainda é o trabalho. O que não chega a ser um problema, visto que como você passa a maior parte do seu dia na empresa, em teoria você tem mais assunto pra falar com os colegas do que com os amigos. E é aí que entra o segundo aspecto interessante: é (ou deveria ser) proibido falar de trabalho no bar.

Se os happy hours da sua empresa costumam tratar de assuntos corporativos, sofrido leitor, alertar-lhe devo: vocês estão fazendo errado. Tuderrado. E o motivo é muito simples: não dá pra falar de trabalho e ser happy ao mesmo tempo. O assunto sempre fica pesado, as pessoas começam a por pra fora suas frustrações, e quando se vê tem uma grande nuvem roxa de amargura chovendo mágoa na sua cerveja. Sei que esse é, em boa parte, o papel do álcool, mas não é o papel do happy hour. Quer desabafar, pega uma garrafa e vai pra casa, que é lugar de bêbado triste.

Outra característica interessante desse evento (e talvez a segunda mais importante) é poder conhecer direito as pessoas que trabalham com você, ver que por trás daquela gravata e daquela barba bem feita há um filho da puta que trai a namorada ou uma coitada que não consegue mais pagar as prestações do carro. O trabalho envolve a gente com uma imensa armadura, cheia de dispositivos que disparam mensagens de eficiência e palavras difíceis, e é sempre bom largar esse peso desconfortável dentro do escritório.

O legal é que esses momentos são os mais propícios para gerar algum tipo de afeto com as outras pessoas, o que ajuda a suavizar a competitividade besta a que todo mundo acaba sendo submetido das nove às seis. Sei que não é um campeonato muito acirrado, mas dá pra arriscar que os happy hours são a melhor coisa da vida corporativa.

Depois do dia do pagamento, evidentemente.


Tema do post sugerido pela Simone ;)

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Balada do desempregado, parte I: dinâmicas de grupo

A gente costuma falar muito aqui sobre coisas que ocorrem dentro das empresas ou que envolvam situação de trabalho. Mas não podemos fechar os olhos para toda uma população que, apesar de viver às margens do mundo corporativo, também fazem parte dele: os desempregados.

A gente reclama pra burro de tudo que acontece por aqui, mas devemos nos lembrar de que tem gente tentando adentrar os portões da Cidade da Gravata. Pobres coitados, leprosos metafóricos, que só querem conviver e fazer parte de toda essa loucura que a gente odeia. Crianças, não vamos nos cegar: o mundo lá fora é mesmo mais perigoso e cruel. Estamos todos reclamando de barriga cheia.

E se o mercado de trabalho é um mundo bizarro em que o sistema de castas está vivo e dominante, não chega a ser chocante que esses garotos maltrapilhos do abismo sofram todo tipo de discrimação velada (ou não) de gente que não anda por todo lado com um currículo embalado em envelope pardo debaixo do braço. Resumidamente, nós. Sim, eu, você, todo mundo que tá aí ao seu redor esperando o relógio bater as 18: nós somos os escrotos elitistas.

Pra mim não há exemplo maior da humilhação que nós os obrigamos a passar que um negócio chamado dinâmica de grupo. Um amigo e leitor desse blog comentou no último sábado que essa semana participaria de duas, as primeiras da vida dele, e não sabia bem o que esperar. Bem, espere o pior: um grupo de pessoas desconfortavelmente vestidas sendo sujeitadas a todo tipo de palhaçada enquanto são observadas por psicólogos.

Há algo de Laranja Mecânica nessa experiência toda. O objetivo aqui é fazer as pessoas se passarem por pessoas que elas não são. Você tem que falar bonito, fingir que é foda, impressionar os coleguinhas, e eventualmente rastejar no chão ou imitar algum bicho. Numa dinâmica, todo mundo tem que ser ao mesmo tempo arrogante ao ponto do detestável e humilde ao ponto do completo desapego pelo orgulho. E vão me desculpar todos os psicólogos que trabalham em RHs de empresas desse país bolando processos seletivos como esse, mas sem álcool ou um Nintendo Wii não há nenhuma justificativa para alguém ter que rebolar na frente de 19 desconhecidos. Entendo a analogia simbólica com o mercado de trabalho, mas analogias simbólicas são bonitas em livros, não tem utilidade prática.

Já vi alguns desses conselheiros profissionais falarem que numa dinâmica você tem que "ser você mesmo", e esse tipo de bobagem de autoajuda. Eu sempre sou eu mesmo e nunca passei numa dinâmica, e você nem precisa me conhecer pessoalmente pra saber por que. Meu conselho, então, é: desista. A menos que você consiga se adaptar ao paradoxo surreal e desumano mencionado no parágrafo acima, nem se dê ao trabalho. Enquanto houver pessoas se sujeitando a isso, haverá profissionais se aproveitando. Diga não, pinte a cara, levante uma bandeira, vá às ruas! Afinal, você está desempregado e não tem mais nada mesmo pra fazer.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Augusta, Angélica e Consolação

Desnecessário dizer, mas os componentes mais interessantes da vida corporativa são mesmo as pessoas e as dinâmicas que se estabelecem entre elas. Hoje vamos falar sobre formas de tratamento.

Não tratamento no sentido de tratar bem ou tratar mal (fica pra outro post, esse promete), mas no modo como as pessoas se chamam. Há desde o modo mais formal possível - começar chamando o outro sempre de "senhor", em claro sinal de respeito pela pessoa e desrespeito pela evolução dos tempos - até o mais miguxo de todos - a abreviação. Em algum lugar no meio desse caminho tem outro campeão de vendas, o sobrenome.

Vamos começar por ele: pessoas com nomes comuns ou sobrenomes esquisitos (ou os dois, como é meu caso) costumam ser chamadas pelo sobrenome. Isso é algo comum na escola, por exemplo, que nada mais é que uma versão mais amaciada do mercado de trabalho - comparando, imaginem Tom & Jerry como o trabalho e Tom & Jerry Kids como a escola. Que bosta de comparação -, mas é justamente quando o livro de chamada é trocado pelo livro de ponto que o critério começa a espanar: qualquer um pode ser chamado pelo sobrenome. "Seu nome é Aubiérgio Oliveira, ahn? Vamos chamá-lo de Oliveira".

Tem também a abreviação, ou diminutivo, ou apenas encurtamento do nome. É aqui que aparecem Carol, Pathy, Vivi, Dani, Van, Má, Lu, Dó, Ré, Mi. Nada de errado até aqui (alguns desses até acabam virando o nome oficial da pessoa, veja a dificuldade em encontrar alguém sendo tratada por "Daniela"), o encacetamento é quando usam esse recurso "carinhoso" como aproximação. Essa é uma tática muito usada por algumas pessoas no início do seu relacionamento profissional numa empresa ou com um cliente (procure o filho da mãe nesse post), chegando de mansinho e se fingindo de amigão do peito, chamando até Ana de "A". Gente que força é o que mais tem nesse mundo empresarial. Mas quando duas pessoas convivem bastante tempo juntas, a ponto até de cultivar algo que fora das paredes corporativas poderia ser chamado de amizade, é natural que esse tipo de tratamento seja usado.

Agora, o tratamento superformal, de senhor, doutor (exceto no caso de ele ser um doutor mesmo, desses com estetoscópio enrolado no pescoço), mestre ou algo que o valha antes do nome da pessoa (não no meio de uma frase, substituindo o "você") é coisa de puxa-saco, e nós não queremos perder tempo com essas pessoas.

Há também os apelidos, que, apesar de acontecerem em contingente menor no reino da tristeza mercado de trabalho, também marcam presença, e às vezes pra destruir: ser chamado por apelido (que costuma ser algo jocoso) é sinal de perda de respeito. Já falei que reputação é tudo na vida corporativa, e não há no mundo alguém que leve a sério os conselhos de alguém conhecido como Paçoca ou, sei lá, Juvenal Antena. E você sabe a física por trás dos apelidos (quanto mais se luta contra, mais eles se fortalecem), então quando chegar nesse ponto o melhor mesmo é trocar de empresa. E se o seu problema for semelhança com algum personagem conhecido, considere uma plástica.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O amor e o trabalho

Ah, o amor. Esse sentimento sublime, que deixa a gente besta, que faz o mundo passar em câmera lenta, que instala uma bomba-relógio dentro da gente que, cedo ou tarde, vai explodir e nos deixar na merda. Ah, o amor.

É óbvio, é claro, é evidente que a vida corporativa não é invulnerável aos encantos macabros desse sentimento cor de rosa. Todo mundo está sujeito a se apaixonar em qualquer lugar, então é natural que essa probabilidade aumente onde você passa a maior parte do seu dia.

"Onde se ganha o pão, não se come a carne", já diz o ditado da frigidez corporativa. Tem pessoas que, por precaução (e uma boa dose de razão), preferem manter distância de enlaces amorosos, sérios ou casuais, com colegas de empresa. Tem empresas que, por precaução (e nenhuma razão aqui), proíbem (ou ao menos controlam) relacionamentos entre membros do quadro de funcionários.

Essa última situação é o mais próximo que podemos ter na modernidade dos tais romances proibidos, visto que o trabalho ocupou o lugar na vida das pessoas de instituições falidas - mas outrora poderosas - como a família e a religião. Conheço pessoas que mantem um namoro mesmo trabalhando num lugar que restringe esse tipo de coisa, o que, por falta de atrativo literário melhor, é um bom combustível pra paixão.

Tem também o lance do(a) namorado(a) corporativo(a), que é um simulacro dentro dos limites da moralidade profissional de um relacionamento amoroso: rola um afeto, um flerte, uma preocupação mútua das nove às seis, mas não rola linguinha nem pintinho na perereca. Resumindo, é deprimente.

O maior problema de interesses amorosos/sexuais no trabalho é que isso traz um elemento passional dispensável pra um lugar que pede que sejamos frios e racionais o tempo todo. Depois que as coisas acontecem e, consequentemente, explodem, fica um climão chato - isso quando não interfere no próprio relacionamento profissional das partes envolvidas, o que resulta em salários atrasados "por descuido", em relatórios que não chegam na mão de quem deve, em gente que faz trabalhos idiotas surreais por ser alvo de vingança. Isso sem contar quando há pressão hierárquica pra que pessoas façam coisas ("coisas") em troca de manutenção no emprego.

Não há dúvidas de que o amor no trabalho é um terreno acidentado e traiçoeiro, mas não deixa de ser necessário, visto que é uma das poucas coisas "relevantes" da vida que pode acontecer dentro de um escritório. Mas é tão regrado, tão limitado e tão cheio de peculiaridades que acaba parecendo mais uma versão industrializada da coisa do que ela própria. Corações em três vias, sabe?

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Reunião

Um dos clichês mais comuns do cinema sobre as pessoas que tem cargos importantes numa empresa é aquele que mostra o personagem numa sala de reunião imensa, com vários outros engravatados, normalmente alguns japoneses. Mas, a gente sabe, isso não é exclusividade de chefia.

Tem gente que adora reunião. Acha que é um bom jeito de perder um tempão do dia trocando uma ideia com outras pessoas - porque trabalho é um troço muito solitário, né. E também tem gente que detesta, porque reuniões sempre - deixe-me por um pouco mais de ênfase nisso: SEMPRE - descambam pra longe do assunto principal.

Eu entendo que permanecer focado sozinho já é um tanto difícil, e isso piora quando se tem um monte de gente atrapalhando ao redor. Mas é inacreditável o fato de que nunca na história uma reunião tenha ido do começo ao fim sem desviar pra coisas que não tem nada a ver. Elas começam falando sobre atitudes emergenciais pra corrigir a grande cagada feita na semana passada e lá no meio já tem gente dando dicas de bons lugares pra viajar perto de São Paulo. Isso quando não vão pra outros assuntos do próprio trabalho, mas que não tem nada a ver com o assunto em pauta.

Ao mesmo tempo em que reuniões podem ser internas, com uma equipe hierarquicamente desprivilegiada - o que tende a deixar as coisas mais relaxadas e agradáveis -, pode ser também com um cliente ou a diretoria da sua empresa. Aí, negão, o bicho pega. Porque você tem que se vestir de jeito tal, sentar de jeito tal, falar de jeito tal; se for um almoço de negócios, tem que pedir um prato legal, nada de ovo com guaraná. Reuniões desse tipo são como um grande flerte, com a (cruel) desvantagem de que não há nenhuma chance de alguém comer alguém no final.

Há também as teleconferências (ou até vídeo conferências, para os punheteiros tecnológicos), que eliminam boa parte do estresse da apresentação visual (e tem o lado bom de você poder fazer careta enquanto a voz do outro lado se pronuncia - não tem preço) e do deslocamento, mas são estranhas pra burro. É raro você ver alguém que sabe se comportar direito numa reunião dessas: sempre tem um curvado e gritando para o telefone. Muito profissional, muito elegante, muito bacana.

Reuniões podem ser um bom jeito de integrar uma equipe, mas quando acontecem em grande quantidade viram um pé no saco. Eu sei, é chique atender o telefone e dizer "desculpe, estou no meio de uma reunião". Uau, ele está no meio de uma reunião! Mas tem gente que assiste filme demais e acha que se passar o dia inteiro com os cotovelos numa mesa e falando abobrinha pra outras pessoas que deveriam estar trabalhando ele vai automaticamente ser importante e relevante para a corporação.

Deixa eu explicar uma negocinho: reunião demais e férias de menos não fazem de ninguém um trabalhador melhor. Pode parar de se gabar, queridão ;)

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Novo na firma

Emprego novo é sempre uma coisa excitante e divertida: nova empresa, novos desafios, novos coleguinhas, novo café. Tudo é mágico e pronto pra ser descoberto: qual o melhor caminho pra ir para o trabalho? Qual o humor do novo chefe? Qual a carga de trabalho que está à espera? O Orkut é bloqueado?

Porém, há um turbulento intervalo entre o deslumbramento precoce (esse do parágrafo acima) e a óbvia constatação de que tudo é a mesma merda: é aquele momento que vai da hora em que você pisa na empresa pela primeira vez até a hora em que você se adapta completamente ao novo ambiente.

Primeiro tem o lance de você ser apresentado aos novos companheiros. Estou há pouco mais de três anos na minha empresa e vejo pessoas novas chegando toda semana. De um lado, o estreante está lá, todo duro, vestido de maneira pouco adequada (formal demais) pro lugar, pensando como deve cumprimentar as pessoas - um aceno de longe, um "corpo a corpo"? E as mulheres, aperto de mão ou beijinho no rosto? - e imaginando o que essas outras pessoas estão pensando ao olhar pra ele. Não, amigo, essas outras pessoas não estão pensando "puxa, tomara que ele venha para agregar para a empresa! *soco pendular paralelo ao corpo*". Elas estão rindo do seu desconforto e pensando em quanto tempo você vai durar até ser totalmente esmagado. Essa é uma batalha que você já começa perdendo, por uma larga desvantagem.

E tem a hora em que o trabalho começa pra valer. As pessoas que estão trabalhando com você não leram seu currículo, não participaram da sua entrevista. Elas não sabem o que você sabe, o que você não sabe, o que você gosta e o que você quer aprender. Elas simplesmente vão te enfiar informação e trabalho goela abaixo e esperar que isso esteja feito no mesmo prazo (ou até menos!) que uma pessoa totalmente adaptada ao lugar faria.

Esse período de adaptação é difícil, e há várias maneiras de lidar com ele. Tem aqueles que forçam a barra, que já querem ser amigões desde o começo. Riem alto, tocam nas pessoas, contam histórias, batem no peito e gritam "deixa que eu faço!". Não seja um desses, eu os odeio. Tem os tímidos, que ficam recolhidos e esperando que o assunto alguma hora aponte pra ele - nunca pedem o jogo, nunca -, e que bem, bem lentamente vão entrando no ritmo - toda batalha é um jogo de paciência, afinal de contas. E tem os meio termo, gente nem tão expansiva e nem tão retraída, que tende a conseguir um melhor equilíbrio entre tempo de adaptação e aceitação popular.

Tem também outras coisas que podem ferrar nesse período: se o seu salário é maior que o dos outros (e isso de alguma maneira não fica tão sigiloso quanto deveria), se seu cargo é maior que o dos outros, se você é gostosa (há uma divisão aí), ou qualquer outra característica que você tenha que seja potencial alvo de inveja alheia.

Não há fórmula mágica para essa parte embaraçosa e obrigatória na carreira, e o negócio acaba sendo mesmo seguir a voz do seu coração. De maneira metafórica, evidentemente, porque todo mundo vai te odiar se você tiver um coração que fala de verdade.

Acabei de ter uma ideia, com licença.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Ao toilete

Mercado de trabalho é quase tudo sobre aparência. Vestir-se bem, portar-se bem, falar bem, todos atributos de bons profissionais. Mas não é possível manter intacta essa bonequinha de cera porque, rá!, a natureza ainda é prioridade.

E é na hora que ela chama e a pessoa precisa fazer uma visita ao banheiro que a gente descobre quem é quem. Já vi gente que acha que é chefe passar vinte minutos lá e sair toda descabelada, já vi gente que é chefe de verdade matar ratos lá dentro (só isso explica o cheiro).

Infelizmente, isso é coisa que afeta todo mundo. O sol nasce pra todos, a privada também. Porém, de algum modo que a ciência não explica, o vaso do trabalho costuma ser mais traiçoeiro que o normal. A descarga, em primeiro lugar, nunca é potente o bastante: a água vai, mas não leva todo mundo. O assento também é esquisito - pode reparar, a privada é o único objeto da casa que molda a sua anatomia, e sob essa ótica, complicado esperar que sua bunda se adapte tranquilamente a qualquer uma. Tem também um probleminha chato que rola com os homens: você chega, mija, e quando vê, tem um pentelho na borda. Aí você não sabe se ele é seu ou de alguém que usou antes, então fica com medo de por a mão, e no fim do dia a privada tá parecendo uma peruca.

Fora o seu próprio desconforto ao não conseguir controlar essas coisas - tipo estourar o deadline porque te deu uma vontade louca de cagar a 10 minutos de entregar a parada -, tem também o lance da sua imagem perante os colegas. O banheiro te deixa vulnerável, não importa quem você é e que cargo ocupa na empresa. Em geral dá pra fazer tudo com um certa discrição, mas às vezes uma mijadinha no chão, um cheirão horroroso ou uma esquecida de lavar a mão pode acabar com uma reputação - talvez até uma carreira!

Aparentemente, nesse assunto as histórias são mais conhecidas que os autores - tente puxar esse papo com o pessoal da sua empresa e vai ouvir centenas de casos, mas poucos nomes. Isso é bom, muito bom. Mas, mesmo sendo um problema com baixa taxa de mortalidade, ainda é importante manter a guarda levantada e os olhos abertos. A vida corporativa não é uma "bosta" por acaso.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Vocabulário profissional

"Quem não se comunica, se trumbica", já dizia aquele velho chato do caralho, com alguma razão - não toda razão porque eu me recuso a aceitar que "trumbica" seja uma palavra. Evidentemente a coisa vale, e até mais forte, no mundo corporativo.

Comunicação empresarial é um negócio muito amplo, então vamos por partes: falemos, hoje, de palavras e expressões que não vingaram muito na vida "real", mas encontraram seu nicho do sucesso nos escritórios desse país. O mundo corporativo é para as palavras sem graça o que Las Vegas é para os imitadores do Elvis.

Validar, por default, asap, alinhar, prospecção, entrar em contato, fortemente,  holerite, implantação, atenciosamente, colaborador, FYI, recurso (como um sinônimo pra gente), expertise, excelência, viral (sem falar sobre vírus), procrastinação, prezado, dissídio, proatividade, junior (sem ser filho de nenhum homônimo), senior, meta, consolidação, produtividade, retorno/feedback, não conformidade, familiarizado, abrir um chamado (leia esse termo ao pé da letra e me explica que diabo isso quer dizer), resiliência, vestir a camisa, alocação, bater ponto, budget, brainstorm, fee (isso nem é palavra, é um peido que falhou!), estourar o orçamento, follow-up, declínio (justiça seja feita, essa também é usada nos livros de história), comissão, deadline, robusto, dia da marmota, happy hour, ficou bom mas...

Não é que essas palavras e expressões não possam ser usadas fora do trabalho - normalmente isso acaba acontecendo, num daqueles casos típicos de vazamento entre os mundos -, mas fica estranho, fora de lugar. Eu mesmo já terminei uma amizade porque o cara veio falar de "excelência" - eu disse que é porque ele ficava olhando pra minha mulher, mas convenhamos, quem quer manter laços com alguém que fala um negócio desse num ambiente casual?

O ambiente de trabalho é um mundo todo a parte, e, naturalmente, tem seu próprio vocabulário, assim como sua própria gramática, assunto para outro post. Adaptar-se a essa linguagem demonstra profissionalismo (não significa profissionalismo, só demonstra), mais uma dessas coisas importantes pra você crescer na carreira. Então vamos aprender todas essas (e as outras, que vocês colocarem nos comentários) e encher o cu de dinheiro?


E aquele muito obrigado aos leitores Clarissa, Dani, Diego, João, Linei e Sodré pela ajuda com o texto.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Uniforme

Uma das coisas mais características da vida profissional é o uso de uniforme. É aquele velho lema do "vestir a camisa da empresa" sendo levado um pouco a sério demais.

Não preciso te explicar o que é uniforme, certo? Há empresas que optam pelo uso mais tradicional, que é aquele em que todos os funcionários usam roupinhas iguaizinhas (ou, se não todos usam a mesma, ao menos separados por função/cargo/departamento); mas há também aquele uniforme disfarçado, que não tem logo da companhia ou tecido predeterminado, mas que não deixa de ser um indicador do tipo que coisa que você faz. Eu, por exemplo, sou designer, então uso tênis sujo, barba grande, camiseta (lisa ou de banda) e calça jeans. Se você entrar na minha sala não verá todos vestidos iguais a mim, mas verá uma certa "linha de raciocínio" vestuária que se replica em cada pessoa.

Mas o tipo de uniforme muquiado mais comum ainda é a roupa social. Ah, a roupa social, essa desgraça. Camisa, calça, sapato, alguns gravata, alguns terno, crachazinho pendurado no pescoço (faça as devidas adaptações para mulheres). Veja uma pessoa andando assim na rua durante o dia e saberás que ela está trabalhando (ou indo a uma entrevista, no mínimo).

O grande mal da roupa social é que ela é quente, desconfortável, e, gosto pessoal, feia. Vamos lá, ninguém vai trabalhar tão feliz que precise desse tipo de castigo pra voltar à amargura. Alguém, pelamordedeus, me explica pra que serve a gravata? É realmente necessário que uma pessoa que já passa a maior parte do seu dia longe da casa e da família, sacolejando em transportes coletivos lotados e/ou trânsito insuportável em um PAÍS TROPICAL ainda precise usar esse tipo de vestimenta em nome de uma estética que foi estabelecida, sei lá, na revolução industrial?

(eu sei que não foi na revolução industrial, controle-se e tire o mouse de cima da caixinha de comentários)

Parece óbvio, mas talvez alguns ainda não tenham pensado nisso: a palavra "uniforme" não tem nada a ver com roupa ou aparência. Tem a ver com criar um padrão de semelhança entre quaisquer que forem as partes desse todo. Não vamos aqui ser anárquicos ou ficar falando de músicas do Pink Floyd, porque disso todo mundo sabe desde que nasceu. O uniforme é, desde a escola (pare com a música do Pink Floyd!), uma maneira de nos vestir de insatisfação, de deixar claro para o mundo que naquele momento preferíamos estar fazendo outra coisa (mesmo que essa outra coisa seja vestir um outro uniforme - de futebol, por exemplo).

Se pensar bem, o uniforme é nossa jaulinha com a placa "cuidado - trabalhador bravo". Não é tão ruim, afinal =)

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Nossa missão

Eu tenho quase certeza que não sou o primeiro a propor esse exercício, mas prefiro o efeito à originalidade: procure a missão da empresa que você trabalha, e a leia. Então troque com a missão da empresa do amiguinho sentado à sua direita. Continue fazendo isso até pegar a da sua empregadora de volta. Depois disso, desafio: tente me provar que todas não são A MESMA MERDA.

Em primeiro lugar, chamar um negócio tipo "atender bem nossos clientes, ser bróder dos parceiro, servir à comunidade, etc" de "missão" já beira a sacanagem. Missão é roubar artefatos místicos, salvar a filha do presidente, encontrar a armadura de ouro; fazer bem o seu trabalho é obrigação. Aliás, "Nossa Obrigação" é um nome que cabe bem melhor, até porque falhar na missão faz parte da vida, falhar na obrigação é erro passível de destruição completa. Mas isso é no meu mundo, longa história.

É uma pena que esse lance de missão seja uma grande papagaiada, porque se levassem isso a sério a coisa poderia ser bem mais legal. E já que estamos na pegada da escolinha, outro exercício: baseado em tudo que você vê, sabe e julga, escreva aí nos comentários (não precisa nem se identificar) a missão "real" da sua empresa. Vou dar o exemplo desse blog:

Nossa missão (versão boba e feia)
Proporcionar aos leitores desse diário virtual textos sobre a realidade e o cotidiano do mundo corporativo, com leveza e bom humor, servindo sempre ao objetivo de divertir e encantar.

Nossa missão (botando pra fuder)
Analisar, esmiuçar, detalhar, destruir, esmigalhar, humilhar e dar um tapinha na bochecha das características mais marcantes e/ou desprezíveis da vida corporativa. Servir de válvula de escape para cada trabalhador frustrado e maltratado por essa grande máquina sem alma e sem rosto que despedaça nosso orgulho, fratura nossas famílias e mata nossa vontade de viver, mas que a gente adora e não consegue viver sem. E, como exemplificado por essa última oração, expressar tudo de maneira sarcástica, rancorosa e engraçadinha.

E, se possível, colocar um dinheirinho no bolso desse pobre redator que está naufragando sua própria carreira para que você aí do outro lado possa dar suas risadas.

Viu? É fácil. Agora é com você, não me deixe só.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Deixa pra depois

Procrastinação (ou work simulation, como preferir) é um negócio muito legal e simpático que subverte a velha lição de vida: deixar sempre pra amanhã o que você pode (e, normalmente, deveria) fazer hoje.

Estatísticas comprovam que 14 em cada 10 trabalhadores fazem ou já fizeram uso de técnicas de procrastinação. Falando assim parece algo muito complexo, mas na verdade é só ficar o dia inteiro no MSN ou dando F5 no site do Planeta Bizarro e pronto!, você é um de nós. Digo, deles.

Há, claro, os profissionais, gente que não só está enrolando como quer parecer que está trabalhando. As táticas são diversas, desde abrir o email da empresa no fundo e manter a janela do Lancenet bem reduzida abaixo até desenvolver toda uma linguagem codificada pra conversar com os amigos no telefone fingindo estar falando com um cliente. Perceba o trabalho que dá só pra evitar o trabalho.

O problema da procrastinação é, talvez, geracional: gente da minha idade não consegue ficar olhando pra uma tela de computador e fazer uma coisa só. E uma vez que você dá um ctrl + tab pra ver o que tá rolando no Twitter, fudeu: enrolar é tão mais legal que trabalhar que aquilo vai te prender por horas. E quando você voltar ao que estava fazendo antes já será tarde demais.

Há uma corrente de pensamento que diz que não existe nada menos interessante que o trabalho. Não sei se concordo, mas é difícil ir contra quando se vê o número de pessoas que assistiram 2 girls 1 cup no escritório. Como é que algo pode ser tão chato que alguém prefira ver duas mulheres comendo merda?

Tem gente, inclusive, que já está tão habituada ao WS que não consegue mais fazer nenhuma tarefa sem antes postergá-la nem que seja por cinco minutos. Veja eu, por exemplo: esse texto foi escrito ontem à tarde, digitado à noite e publicado só hoje. E eu estou de férias!

Procrastinar é outra coisa que você, jovem trabalhador, deve aprender. Essas coisas não estão nos valores da empresa, nas aulas da faculdade ou nos livros do Max Gehringer, mas fique tranquilo que estou aqui para ajudá-lo.

Daqui a pouco.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A culpa é minha, eu ponho em quem eu quiser

Apesar do crescente número de pessoas que trabalham remotamente ou por conta, não dá pra negar que o trabalho é algo primordialmente coletivo. Quase tudo depende de uma looonga cadeia de pessoas, procedimentos, cafés e formulários em três vias. E, já que somos humanos, é natural que em alguma hora no meio desse percurso aconteça alguma cagada. Oh, e agora?

Agora é a hora do tiroteio, mermão. Pode haver centenas de pessoas aglomeradas num pequeno espaço, mas é só alguém gritar que houve um erro e procurar o responsável que magicamente vai se abrir um corredor no meio, com todo mundo rapidamente tirando seus respectivos da reta (há quem diga que Moisés atravessou o Mar Vermelho justamente fazendo com que cada gota d'água não quisesse admitir a própria culpa pelo que quer que seja - nunca saberemos). Se você é um experimentado frequentador do planeta corporativo deve saber que um dos itens básicos de sobrevivência nessa Pandora de terno e gravata é justamente saber se esquivar da culpa. "Ah, eu deletei tudo, depois criei de novo de um jeito que eu achei bonito e legal e mandei pro cliente sem a aprovação de ninguém, mas porque eu fui corrigir um erro de digitação do estagiário e deu pau em tudo. Não é minha culpa".

O estagiário, separemos um parágrafo pra ele, é um personagem importante dessa história. Há uma lei não escrita, você deve saber, que diz que o primeiro suspeito de cagada é sempre esse pobre estudante cheio de espinhas. Repara: a cada vez que algum erro abominável vem ao conhecimento popular (tem um exemplo recente), brotam comentários maldosos do tipo "ih, um estagiário vai perder o emprego". É porque o estagiário é burro ou incompetente? Não, é porque quem pode mais, chora menos.

O mercado de trabalho é bastante competitivo, e mesmo que você chame todos os seus colegas de amigos (erro hipócrita básico), nunca vai querer admitir que é menos capaz que eles. Há quem diga que é bonito assumir a culpa, que é coisa de gente com caráter e tal, mas isso é bobagem: aceitar que você errou não te faz melhor, só faz com que os outros (os seus "amigos") parem de te acusar pelas costas. Nada contra, é até legal arrancar essa raspa de diversão maquiavélica alheia, mas certamente não vai te ajudar na carreira.

Para continuar ascendendo, a melhor opção ainda é fingir que não é com você e espantar a culpa pra qualquer lado o mais rápido possível. Ou vocês acham que o nome do Coelho Ricochete não tem nada a ver com o fato de ele ter chegado a xerife? Por favor.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Corno job

Há várias expressões pra definir aquele tipo de trampo que não exige muito das capacidades intelectuais do executor, mas as que eu mais ouvi foram corno job e monkey job - ou trabalho de corno e trabalho de macaco, dependendo da presença ou não do complexo de inferioridade internacional na sua empresa. A minha tem, então vou com os termos em inglês.

Eu não gosto de monkey job porque acho que é subestimar demais a inteligência do bichinho. É achar que ele só consegue fazer esse tipo de trabalho porque é muito imbecil. Estão errados: macacos são capazes de cagar na própria mão e tacar na cara do bróder do outro lado que se acha inteligente mas tá maravilhado vendo um bicho preso numa gaiola. Opor-se ao establishment também é sinal de inteligência.

E o corno job, bem... ele se aplica. Não que faça muito sentido prático se pensarmos no aspecto intelectual da coisa, mas se encaixa perfeitamente quando vemos sob o prisma do constrangimento: ser chifrado é basicamente a segunda maior humilhação que uma pessoa pode sofrer (a primeira é horrível demais pra ser dita num blog sofisticado como esse), e é por aí que funciona com o trabalho de corno.

Você se prepara bastante pra fazer um bom trabalho. Estuda, faz faculdade, faz cursos, conversa com profissionais da área, lê sobre todos os assuntos relacionados na internet e etc. E quando você está lá e quer dizer pra todos que está fazendo um baita trabalho legal, que não só vai aumentar o faturamento da sua empresa como por seu nome no olimpo dos especialistas naquele ramo de negócio, na verdade você está colorindo células no Excel ou copiando e colando milhares de arquivos para o novo ambiente virtual de compartilhamento de informações e toda essa merda.

Todo mundo quer fazer a diferença. Mas há muito mais trabalho besta que revolucionário a fazer, e não há outra saída a não ser fazer toda essa bobagem sem sentido que só precisa de um otário e um piloto automático. É quando você percebe que não é tão importante, que não é o cara que vai fazer a empresa respirar aliviada por contar com tamanha expertise. A vida corporativa é uma infinita sucessão de bigornas esmagando o orgulho do trabalhador, e não adianta chorar por isso.

Você pode, claro, se opor e jogar bosta na cara do patrão - no sentido figurado, pelo amor de deus. Arriscar seu emprego por aquela coisa que alguns idealistas chamam de respeito próprio é uma atitude apreciada por líderes empresariais. Mas lembre-se que, depois disso, vai precisar enfrentar a própria mediocridade e fazer um trabalho acima da média pra fugir do corno job, ou vai ficar muito, muito chato.

Melhor não, né?

terça-feira, 20 de julho de 2010

O cliente

Há muitos inimigos nesse mundo profissional (além do próprio trabalho em si): o prazo, a verba, a situação econômica do país, o clima, o equipamento, os impostos, o gerente, o funcionário, etc, etc, etc. Mas se tem um negócio que todos devem concordar é que o grande inimigo do trabalhador é o cliente.

O negócio do cliente é que você precisa dele. Você o odeia, mas sem ele haveria falência, miséria, alcoolismo. Não dá pra se desvencilhar. E o que irrita é que aquela velha máxima do comércio, "o cliente sempre tem razão", vem sempre puxar pelo pé. Sabe gente que entra numa discussão e acha que sempre tá certa e não dá o braço a torcer nem para de te encher o saco? O cliente sempre ganha essa discussão, esteja ele certo ou não. O mundo corporativo é o único em que não há justiça: a razão não depende de fatos ou argumentos, depende de que lado do balcão você está.

É pra odiar mesmo um filho da puta desse, né? Mas o grande problema, na verdade, é mais filosófico: há um cliente em cada um de nós.

Cliente não é profissão, nem vocação, nem patente. Todo mundo é cliente. Se eu vou visitar uma das empresas que contratam os serviços da minha firma ("minha" é ótimo) de chinelo e camisa da Copa de 90, rola uma hecatombe. Mas se eu entrar numa loja vestido do mesmo jeito, o atendente todo emperiquitado e perfumado vai até tirar a própria roupa e me emprestar. E ai dele se me olhar torto, porque eu ameaço comprar aquela porra daquela loja inteira e o por no olho da rua. Claro que eu não tenho dinheiro, mas ele é obrigado a acreditar que sim, vide assinatura na carteira de trabalho, aquele contrato com o diabo em forma de livrinho de salmos.

Talvez nossa grande implicância com o cliente venha do fato de não nos aceitarmos assim. É como a mocinha virgem e chata do filme que fica espezinhando o herói, quando todo mundo sabe que o que ela quer é montar na garupa do cavalo branco dele e ir viver num lindo castelo cheio de criados educados e devotados. A verdade é dura, mas temos que aceitá-la: nós somos a mocinha virgem.

Pra manter a paráfrase com filmes ruins, nessa hora um sábio mestre diria que "o nosso maior inimigo está aqui", e apontaria o dedo na direção do coração. Ele que vá a puta que o pariu, eu queria mesmo era ganhar na Mega Sena.

sábado, 17 de julho de 2010

Política de boas vindas



Ah, o sonho profissional. Como a gente se prepara pra ele. Estuda onze anos numa escola que te prepara não pra vida, mas pro vestibular; aí passa no vestibular e estuda mais uma pancada de anos pra outro negócio que também não te prepara pra vida, mas pro mercado de trabalho. Ah, o sonho profissional. Como a gente se prepara pra ele. Quanta coisa a gente sacrifica. Ah.

Então a gente começa a trabalhar e percebe que as coisas não são tão legais. O salário só dá pra pagar as contas, a grande empresa que ia ser um grande aprendizado só nos põe pra fazer trabalho de corno, o Twitter é bloqueado, o puxa-saco sempre ascende mais rápido, mesmo sendo muito menos capacitado. O sonho profissional, percebemos, é uma antítese: se é profissional, só pode ser um pesadelo.

O mercado de trabalho é muito mais que competência técnica, currículo e dedicação. É política de empresa, burocracia, chefe burro, colega cuzão, nepotismo, horas-extras, salário atrasado, salário baixo, estágio, função que não é o que você estudou nem o que você quer fazer. Trabalhar é legal, ganhar dinheiro é muito bom, mas a vida corporativa, com todos os seus detalhes irrelevantes e complicações desnecessárias, é uma bosta.

Eu sou publicitário de formação, designer de carteira de trabalho e macaco-robô de função. Trabalho num lugar legal, ganho mais do que mereço, e provavelmente estarei fechando várias portas com esse blog - eu sou daqueles que perde a carreira, mas não perde a piada -, mas a vida corporativa, e todas as circunstâncias e particularidades que a envolvem, precisa ser tratada com mais cinismo de vez em quando.

E eu quero a ajuda de vocês, gente que cedo madruga pra poder comprar o leite das quiança: sugiram assuntos, deem depoimentos, façam suas indagações sobre os grandes mistérios da vida profissional; vamos juntos despedaçar essa complexa estrutura feita de Outlooks e vales-refeição, mas com todo respeito. Já que não dá pra fugir do trabalho, é melhor rir dele que odiá-lo.