quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Balada do desempregado, parte I: dinâmicas de grupo

A gente costuma falar muito aqui sobre coisas que ocorrem dentro das empresas ou que envolvam situação de trabalho. Mas não podemos fechar os olhos para toda uma população que, apesar de viver às margens do mundo corporativo, também fazem parte dele: os desempregados.

A gente reclama pra burro de tudo que acontece por aqui, mas devemos nos lembrar de que tem gente tentando adentrar os portões da Cidade da Gravata. Pobres coitados, leprosos metafóricos, que só querem conviver e fazer parte de toda essa loucura que a gente odeia. Crianças, não vamos nos cegar: o mundo lá fora é mesmo mais perigoso e cruel. Estamos todos reclamando de barriga cheia.

E se o mercado de trabalho é um mundo bizarro em que o sistema de castas está vivo e dominante, não chega a ser chocante que esses garotos maltrapilhos do abismo sofram todo tipo de discrimação velada (ou não) de gente que não anda por todo lado com um currículo embalado em envelope pardo debaixo do braço. Resumidamente, nós. Sim, eu, você, todo mundo que tá aí ao seu redor esperando o relógio bater as 18: nós somos os escrotos elitistas.

Pra mim não há exemplo maior da humilhação que nós os obrigamos a passar que um negócio chamado dinâmica de grupo. Um amigo e leitor desse blog comentou no último sábado que essa semana participaria de duas, as primeiras da vida dele, e não sabia bem o que esperar. Bem, espere o pior: um grupo de pessoas desconfortavelmente vestidas sendo sujeitadas a todo tipo de palhaçada enquanto são observadas por psicólogos.

Há algo de Laranja Mecânica nessa experiência toda. O objetivo aqui é fazer as pessoas se passarem por pessoas que elas não são. Você tem que falar bonito, fingir que é foda, impressionar os coleguinhas, e eventualmente rastejar no chão ou imitar algum bicho. Numa dinâmica, todo mundo tem que ser ao mesmo tempo arrogante ao ponto do detestável e humilde ao ponto do completo desapego pelo orgulho. E vão me desculpar todos os psicólogos que trabalham em RHs de empresas desse país bolando processos seletivos como esse, mas sem álcool ou um Nintendo Wii não há nenhuma justificativa para alguém ter que rebolar na frente de 19 desconhecidos. Entendo a analogia simbólica com o mercado de trabalho, mas analogias simbólicas são bonitas em livros, não tem utilidade prática.

Já vi alguns desses conselheiros profissionais falarem que numa dinâmica você tem que "ser você mesmo", e esse tipo de bobagem de autoajuda. Eu sempre sou eu mesmo e nunca passei numa dinâmica, e você nem precisa me conhecer pessoalmente pra saber por que. Meu conselho, então, é: desista. A menos que você consiga se adaptar ao paradoxo surreal e desumano mencionado no parágrafo acima, nem se dê ao trabalho. Enquanto houver pessoas se sujeitando a isso, haverá profissionais se aproveitando. Diga não, pinte a cara, levante uma bandeira, vá às ruas! Afinal, você está desempregado e não tem mais nada mesmo pra fazer.

8 comentários:

Diôdio Do Moinho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Diôdio Do Moinho disse...

Excelente. Também nunca passei em uma dinâmica, mas tenho certeza que fui lembrado por semanas pelos psicólogos que me humilharam nessas palhaçadas todas. E sequer subi muito na carreira pra poder dar o troco. Enfim...

Fernanda disse...

Você é ótimo!

katya disse...

excelente! entrando no ritmo.... se o psicólogo fosse um animal, qual animal ele seria?(além de ser filho da p***, claro)

Antonio Brito disse...

Não acredito em dinâmicas - e olha que sou recrutador ... Acredito em teatrinho, em exercício prático feito na hora e em uma conversa livre de aborrecimentos. Além disso, sempre peço uma demonstração do trabalho anterior: um artigo, uma análise, um desenho. Dá para ter uma ideia de como foi o trabalho em outras circunstâncias.

Agora: paredão de big brother, não.

Sds

Anne disse...

passei por uma dinâmica em que o grupo tinha que jogar, sentados em roda, escravos de jó com bolinhas de mouse, com as psicólogas e suas pranchetas analisando isso. e depois nos xingando porque "não sabíamos trabalhar em grupo". a galera começou a suar a testa. ridículo, né? fora que as pessoas que estavam concorrendo se achavam o supra-sumo...e pior: pessoal do estoque tendo que fazer aquela porcaria pra tentar vaga de vendedores da livraria, na qual já eram funcionários. never more.
muito bom o texto, aliás, todos!

Anônimo disse...

Gosto do seu estilo... rolei de rir com a Laranja Mecânica... acho que os psicólogos devem ficar pensando em maneiras de se divertir rs rs rs...

garotodecidido disse...

Genial. Tudo que eu penso dessa palhaçada de dinâmica em grupo, agrupado num texto!