quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Balada do desempregado, parte II: procurar emprego

Quando se está desempregado, há três saídas práticas na sua vida: a) deixar estar, assumir o desemprego e viver de migalha; b) esperar um trabalho cair no seu colo; c) procurar um emprego.

Parece óbvio, mas tanta coisa é óbvia nesse mundo corporativo. Também há outras alternativas mais rebuscadas, como ficar rico por acaso ou montar seu próprio negócio (trataremos disso outro dia), mas hoje falaremos do item c: procurar um emprego.

Há vários caminhos, e vou apresentar alguns em escala crescente de deprimência: por dicas e indicações de conhecidos, pela internet em sites gratuitos, pela internet em sites pagos, pelos classificados do jornal, por anúncios nos murais da faculdade, por anúncios nos murais de agências de emprego, por anúncios pregados nos postes de luz, por anúncios pregados em homens-sanduíche. Esse último é curioso, porque é um raro caso em que a pessoa com emprego está em situação pior que a que procura - mas, dado o uniforme, fica anatomicamente incapacitada de caçar algo melhor em si própria. Sério, isso é poesia pura.

E aí tem os anúncios, sempre ótimos: 75% dos pré-requisitos pra vaga são coisas que raramente serão usadas na função em si (até porque normalmente são tantas exigências que para fazer tudo aquilo o empregado teria que assinar um contrato de 10 anos). Quando há no texto o salário que a empresa quer pagar, é sempre mais baixo que o racional (compare classificados de imóveis e de empregos para ver: se levássemos isso em consideração, ninguém jamais poderia alugar uma moradia), e também tem o malfadado "salário a combinar", essa armadilha pra contratar gente a preço baixo sem ter que ouvir depois um "me pagam tão mal...".

E vocês já estiveram (ou ao menos viram) numa fila em agência de emprego? Gente triste, cabisbaixa, com envelopinho na mão e tal? É deprimente, como uma fila de bois indo pro abate, com aquela mínima esperança de que no final aconteça um milagre e alguém saia dali sorrindo. Mas a fila de bois é pior, claro, porque morrer deve ser pior que ficar desempregado. Esse é outro grande mal da marginalidade corporativa: é desgraça pouca, logo é bobagem.

Procurar emprego tá pra ser uma das coisas mais ingratas que existem. Eu não conheço ninguém que goste disso - nem do "desafio", da "aventura", etc - e, se alguém vier se apresentar dizendo que gosta, ignorarei sob justificativa de óbvia perturbação mental do leitor. Eu sei que às vezes precisamos mentir pra nós mesmos pra nos sentirmos bem, mas, sinto muito, a obrigação desse blog é de ser franco com vocês.

Tá, não é bem uma obrigação, mas esmigalhar sonhos é meu emprego ideal.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Happy hour

Pesquisas comprovam: a partir das 16h30 da sexta-feira o índice de concentração dos trabalhadores cai 1400%. Claro que essa não é uma pesquisa verdadeira, assim como ninguém precisa de uma pra saber que isso é verdade. E não é só pelo fim de semana que se anuncia (nossa pequena migalha semanal de sossego e libertação), é também pelo happy hour.

Como faz parte da cultura desse blog explicar todos os termos que se apresentam, mesmo que sejam amplamente conhecidos, vamos lá: happy hour (ou HH, porque tudo na vida corporativa precisa de uma sigla) é aquele espaço de tempo entre o fim do expediente e o coma alcoólico em que acontece uma animada reunião dos colegas, normalmente em volta de uma mesa de bar, com o intuito único e simples de exorcizar o estresse da semana, ou ao menos afogá-lo em cerveja.

Há alguns aspectos interessantes que diferenciam o happy hour corporativo daquele que você faz com seus amigos. O primeiro, claro, é que você não está com seus amigos. Por mais intimidade e proximidade que você tenha com aquelas pessoas, o vínculo que os une ainda é o trabalho. O que não chega a ser um problema, visto que como você passa a maior parte do seu dia na empresa, em teoria você tem mais assunto pra falar com os colegas do que com os amigos. E é aí que entra o segundo aspecto interessante: é (ou deveria ser) proibido falar de trabalho no bar.

Se os happy hours da sua empresa costumam tratar de assuntos corporativos, sofrido leitor, alertar-lhe devo: vocês estão fazendo errado. Tuderrado. E o motivo é muito simples: não dá pra falar de trabalho e ser happy ao mesmo tempo. O assunto sempre fica pesado, as pessoas começam a por pra fora suas frustrações, e quando se vê tem uma grande nuvem roxa de amargura chovendo mágoa na sua cerveja. Sei que esse é, em boa parte, o papel do álcool, mas não é o papel do happy hour. Quer desabafar, pega uma garrafa e vai pra casa, que é lugar de bêbado triste.

Outra característica interessante desse evento (e talvez a segunda mais importante) é poder conhecer direito as pessoas que trabalham com você, ver que por trás daquela gravata e daquela barba bem feita há um filho da puta que trai a namorada ou uma coitada que não consegue mais pagar as prestações do carro. O trabalho envolve a gente com uma imensa armadura, cheia de dispositivos que disparam mensagens de eficiência e palavras difíceis, e é sempre bom largar esse peso desconfortável dentro do escritório.

O legal é que esses momentos são os mais propícios para gerar algum tipo de afeto com as outras pessoas, o que ajuda a suavizar a competitividade besta a que todo mundo acaba sendo submetido das nove às seis. Sei que não é um campeonato muito acirrado, mas dá pra arriscar que os happy hours são a melhor coisa da vida corporativa.

Depois do dia do pagamento, evidentemente.


Tema do post sugerido pela Simone ;)

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Balada do desempregado, parte I: dinâmicas de grupo

A gente costuma falar muito aqui sobre coisas que ocorrem dentro das empresas ou que envolvam situação de trabalho. Mas não podemos fechar os olhos para toda uma população que, apesar de viver às margens do mundo corporativo, também fazem parte dele: os desempregados.

A gente reclama pra burro de tudo que acontece por aqui, mas devemos nos lembrar de que tem gente tentando adentrar os portões da Cidade da Gravata. Pobres coitados, leprosos metafóricos, que só querem conviver e fazer parte de toda essa loucura que a gente odeia. Crianças, não vamos nos cegar: o mundo lá fora é mesmo mais perigoso e cruel. Estamos todos reclamando de barriga cheia.

E se o mercado de trabalho é um mundo bizarro em que o sistema de castas está vivo e dominante, não chega a ser chocante que esses garotos maltrapilhos do abismo sofram todo tipo de discrimação velada (ou não) de gente que não anda por todo lado com um currículo embalado em envelope pardo debaixo do braço. Resumidamente, nós. Sim, eu, você, todo mundo que tá aí ao seu redor esperando o relógio bater as 18: nós somos os escrotos elitistas.

Pra mim não há exemplo maior da humilhação que nós os obrigamos a passar que um negócio chamado dinâmica de grupo. Um amigo e leitor desse blog comentou no último sábado que essa semana participaria de duas, as primeiras da vida dele, e não sabia bem o que esperar. Bem, espere o pior: um grupo de pessoas desconfortavelmente vestidas sendo sujeitadas a todo tipo de palhaçada enquanto são observadas por psicólogos.

Há algo de Laranja Mecânica nessa experiência toda. O objetivo aqui é fazer as pessoas se passarem por pessoas que elas não são. Você tem que falar bonito, fingir que é foda, impressionar os coleguinhas, e eventualmente rastejar no chão ou imitar algum bicho. Numa dinâmica, todo mundo tem que ser ao mesmo tempo arrogante ao ponto do detestável e humilde ao ponto do completo desapego pelo orgulho. E vão me desculpar todos os psicólogos que trabalham em RHs de empresas desse país bolando processos seletivos como esse, mas sem álcool ou um Nintendo Wii não há nenhuma justificativa para alguém ter que rebolar na frente de 19 desconhecidos. Entendo a analogia simbólica com o mercado de trabalho, mas analogias simbólicas são bonitas em livros, não tem utilidade prática.

Já vi alguns desses conselheiros profissionais falarem que numa dinâmica você tem que "ser você mesmo", e esse tipo de bobagem de autoajuda. Eu sempre sou eu mesmo e nunca passei numa dinâmica, e você nem precisa me conhecer pessoalmente pra saber por que. Meu conselho, então, é: desista. A menos que você consiga se adaptar ao paradoxo surreal e desumano mencionado no parágrafo acima, nem se dê ao trabalho. Enquanto houver pessoas se sujeitando a isso, haverá profissionais se aproveitando. Diga não, pinte a cara, levante uma bandeira, vá às ruas! Afinal, você está desempregado e não tem mais nada mesmo pra fazer.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Augusta, Angélica e Consolação

Desnecessário dizer, mas os componentes mais interessantes da vida corporativa são mesmo as pessoas e as dinâmicas que se estabelecem entre elas. Hoje vamos falar sobre formas de tratamento.

Não tratamento no sentido de tratar bem ou tratar mal (fica pra outro post, esse promete), mas no modo como as pessoas se chamam. Há desde o modo mais formal possível - começar chamando o outro sempre de "senhor", em claro sinal de respeito pela pessoa e desrespeito pela evolução dos tempos - até o mais miguxo de todos - a abreviação. Em algum lugar no meio desse caminho tem outro campeão de vendas, o sobrenome.

Vamos começar por ele: pessoas com nomes comuns ou sobrenomes esquisitos (ou os dois, como é meu caso) costumam ser chamadas pelo sobrenome. Isso é algo comum na escola, por exemplo, que nada mais é que uma versão mais amaciada do mercado de trabalho - comparando, imaginem Tom & Jerry como o trabalho e Tom & Jerry Kids como a escola. Que bosta de comparação -, mas é justamente quando o livro de chamada é trocado pelo livro de ponto que o critério começa a espanar: qualquer um pode ser chamado pelo sobrenome. "Seu nome é Aubiérgio Oliveira, ahn? Vamos chamá-lo de Oliveira".

Tem também a abreviação, ou diminutivo, ou apenas encurtamento do nome. É aqui que aparecem Carol, Pathy, Vivi, Dani, Van, Má, Lu, Dó, Ré, Mi. Nada de errado até aqui (alguns desses até acabam virando o nome oficial da pessoa, veja a dificuldade em encontrar alguém sendo tratada por "Daniela"), o encacetamento é quando usam esse recurso "carinhoso" como aproximação. Essa é uma tática muito usada por algumas pessoas no início do seu relacionamento profissional numa empresa ou com um cliente (procure o filho da mãe nesse post), chegando de mansinho e se fingindo de amigão do peito, chamando até Ana de "A". Gente que força é o que mais tem nesse mundo empresarial. Mas quando duas pessoas convivem bastante tempo juntas, a ponto até de cultivar algo que fora das paredes corporativas poderia ser chamado de amizade, é natural que esse tipo de tratamento seja usado.

Agora, o tratamento superformal, de senhor, doutor (exceto no caso de ele ser um doutor mesmo, desses com estetoscópio enrolado no pescoço), mestre ou algo que o valha antes do nome da pessoa (não no meio de uma frase, substituindo o "você") é coisa de puxa-saco, e nós não queremos perder tempo com essas pessoas.

Há também os apelidos, que, apesar de acontecerem em contingente menor no reino da tristeza mercado de trabalho, também marcam presença, e às vezes pra destruir: ser chamado por apelido (que costuma ser algo jocoso) é sinal de perda de respeito. Já falei que reputação é tudo na vida corporativa, e não há no mundo alguém que leve a sério os conselhos de alguém conhecido como Paçoca ou, sei lá, Juvenal Antena. E você sabe a física por trás dos apelidos (quanto mais se luta contra, mais eles se fortalecem), então quando chegar nesse ponto o melhor mesmo é trocar de empresa. E se o seu problema for semelhança com algum personagem conhecido, considere uma plástica.